Argentina começa a ampliar barreiras ao calçado brasileiro

16.01.2020 - Nicolle Frapiccini/Jornal NH

Nos mais de oito quilômetros percorridos pelos corredores do Inspiramais - Salão de Design e Inovação de Materiais - e da Couromoda - Feira Internacional de Calçados, Artefatos de Couro e Acessórios de Moda - entre terça-feira e ontem, raros eram argentinos.

A informação é relevante porque os hermanos, importantes parceiros comerciais do cluster coureiro-calçadista brasileiro, reduziram suas importações de calçados em 2019 e já anunciaram, no final da semana passada, medidas que dificultam a entrada de produtos brasileiros no mercado argentino, entre eles o sapato verde-amarelo. E o assunto não ficou de fora das rodas de conversa entre empresários e profissionais do segmento durante as duas feiras que terminaram ontem, em São Paulo, com saldo positivo.

A resolução publicada pelo Ministério da Produção da Argentina reduziu pela metade o prazo que os fabricantes brasileiros têm, após a licença de importação ser concedida no Sistema Integral de Monitoramento de Importações da Argentina (Simi), para enviar a mercadoria para o país vizinho. Na prática, essa medida dificulta ainda mais as vendas para a Argentina, que já estão menores devido à crise na economia portenha.

Apesar de dizer que ainda é cedo para avaliar as consequências práticas desta resolução, o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Haroldo Ferreira, ressalta que isso vai dificultar a entrada do produto brasileiro. "Até agora os calçadistas não relataram nenhum problema, mas essa medida é um complicador. O objetivo deles é dificultar as exportações para incentivar a indústria local e manter os dólares em território argentino", resume, confirmando que na terça-feira o assunto foi a pauta de uma reunião com o deputado federal Lucas Redecker, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Setor Coureiro-Calçadista.

Mercado fervoroso

O deputado salienta que antes de qualquer articulação junto ao governo federal para tentar contornar essa
situação, é preciso saber se a redução no prazo vai ter algum efeito prático. "Se conseguirmos continuar com as exportações neste prazo menor, acho que não há problemas. Não podemos antecipar um atrito dentro de algo que não começou a ter consequências ainda. Mas, se tiver atrito negativo e a relação for afetada, temos que começar a trabalhar pela reversão ou achar um ponto comum", salienta Redecker, ao frisar que o mercado está em alerta com a medida em função da atual relação com os hermanos.

Preocupações

A superintendente da Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos
(Assintecal), Ilse Guimarães, confirma que a situação argentina preocupa as fábricas brasileiras."Eles são o nosso segundo maior comprador internacional e, no ano passado, tivemos uma queda de 25%."

A preocupação de Ilse é compartilhada com empresas da região. O diretor-presidente da Killing, Milton Killing, coloca um ponto de interrogação na relação comercial com os vizinhos. "As medidas que eles estão adotando são contrárias às que o governo brasileiro está fazendo. Conversando com os nossos clientes argentinos sentimos eles com um ponto de interrogação ainda maior que o nosso. Quando o mercado é fechado, a tendência é sucatear a indústria local", salienta, ao dizer que a indústria argentina já está "altamente sucateada".

Menor volume
Embora em menor número, os argentinos estavam presentes nas mostras que abrem o calendário anual do setor no Brasil. Alguns empresários da região receberam visitas tímidas dos hermanos. O diretor-administrativo da hamburguense Fillon, Philipy Hugenthobler, conta que no primeiro dia da Couromoda um argentino esteve no estande."Depois não atendemos mais. E normalmente, nas feiras, atendíamos de 10 a 15 clientes argentinos por dia."

Dificuldades para conseguir liberação
Philipy Hugenthobler destaca que a Fillon exporta há alguns anos para a Argentina."Temos clientes que
desenvolvemos nas feiras com grande capacidade de compra que não estão comprando porque relatam que não conseguem liberação do governo", arma o diretor-administrativo da calçadista. O executivo fala que apesar da participação menor dos argentinos na edição 2020 da Couromoda, a feira foi melhor que a edição do ano passado. "Quem veio tinha o objetivo de comprar. Fechamos mais negócios e abrimos mercados tanto no Brasil quanto no exterior."

Clima positivo no Brasil e negativo com os argentinos
Para a calçadista Bibi, de Parobé, a edição deste ano da Couromoda foi positiva. A diretora-presidente Andrea Kohlrausch comenta que o desempenho ficou dentro do esperado."Sentimos no mercado uma retomada e estamos colhendo os frutos desses primeiros bons ventos. Percebemos uma visitação maior nesta edição com fechamentos de pedidos e prospecções de outros." Sobre a medida recente do governo argentino, Andrea arma que não é uma surpresa."Nos relacionamos com a Argentina há algumas décadas e já enfrentamos instabilidades, altas e baixas. Neste momento vamos buscar manter os resultados. No ano passado houve queda e alguns projetos com a Argentina não avançaram em função da situação econômica deles."

Provocações
A primeira edição de 2020 do Inspiramais terminou ontem com a sensação de ânimo renovado. A mostra que completou dez anos apresentando novidades em materiais e componentes para designer e profissionais das cadeias calçadistas, de confecções e de mobiliário mudou o mindset destes segmentos. Essa é a avaliação da superintendente da Assintecal, Ilse Guimarães."A feira passou de ser inspiração para instigação, provocação em que os setores envolvidos estão sempre buscando coisas novas. Com a valorização do produto em todos os sentidos."

Evolução do design brasileiro
Ilse destaca ainda que o Inspiramais acompanhou a evolução do design brasileiro."Ele é o centro direcionador da mostra, destacando a inovação e a sustentabilidade. Sentimos que estamos em um caminho correto, mostrando a versatilidade dos materiais, desde as bijuterias até os móveis, passando pelo calçado", salienta a superintendente da Assintecal, que é uma das entidades promotoras do Salão, ao lado do Cicb, da Abit e da Abimóvel.

Evento consolidado
O presidente-executivo do Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (Cicb), José Fernando Bello, pontua que o Inspiramais está cada vez mais consolidado no mercado."É um momento importante em que trazemos novidades para o desenvolvimento de novos produtos. As indústrias de couro estão bem satisfeitas com o resultado desta edição. Sentimos um ar positivo no mercado que apresenta bons sinais para esse ano", fala o executivo. A próxima edição do Inspiramais já está confirmada para os dias 7 e 8 de julho deste ano.

Couromoda: visitação superior
Até dias antes da abertura da Couromoda 2020, na última segunda-feira, o diretor-geral Jeferson Santos projetava aumento de 5% no número de visitantes, entre lojistas e importadores. Ontem, no fim da tarde, ele anunciou que o crescimento foi de 12%."Saldo muito positivo também entre os expositores. Marcas importantes voltaram ou já confirmaram que retornam na Couromoda do ano que vem", destaca.

Até janeiro de 2021

A próxima Couromoda será nos dias 11, 12 e 13 de janeiro de 2021, repetindo a fórmula de três dias de feira. A área comercializada vai crescer pelo menos 5%.

A relação em números
Exportações brasileiras de calçados em 2019:

Argentina é o segundo maior comprador do calçado brasileiro, com participação de 10,4% (em valores) nas exportações nacionais.

10.067.666 pares foram exportados para solo argentino por um total de US$ 105.202.591

24,7% foi a queda nas vendas em dólares no ano passado no comparativo com 2018

14,9% foi a retração em pares em 2019 no comparativo com 2018

Exportações gaúchas de calçados em 2019:
3.990.571 foi a quantidade de pares fabricados no Rio Grande do Sul e vendidos para a Argentina pelo valor total de US$ 43.340.745
17,5% foi a diminuição nas vendas no ano passado, em valores, no comparativo com 2018
8,5% foi o aumento na quantidade de pares vendidos no comparativo com 2018

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