Saiba quais os impactos do acordo Mercosul e União Europeia para o setor calçadista

22.07.2019 - Michel Pozzebon e Ruan Nascimento / Jornal Exclusivo

Foto: Fotolia.com.
Fotolia.com
Aliança foi fechada no dia 28 de junho, após 20 anos de negociação

O acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia fechado no dia 28 de junho, após 20 anos de negociação, poderá trazer ganhos de R$ 500 bilhões em dez anos para o Produto Interno Bruto (PIB, soma dos bens e serviços produzidos) brasileiro. A estimativa é do Ministério da Economia. Vale destacar que a aliança entre os dois blocos envolve 25% da economia global e 780 milhões de pessoas – quase 10% da população do mundo.

Nos primeiros dez anos de vigência, o acordo também poderá gerar investimentos adicionais de R$ 453 bilhões ao Brasil. A corrente de comércio – soma de exportações e importações – será ampliada em R$ 1 trilhão no mesmo período. Para entrar em vigor, a aliança precisa ser ratificada por todos os países do Mercosul e da União Europeia. Em alguns países, como a Bélgica, o tratado também precisará ser votado por parlamentos regionais. O Mercosul negocia a possibilidade de que o acordo entre em vigor em cada país do bloco assim que cada parlamento aprovar o documento.

Apesar da demora de os parlamentos confirmarem o acordo, os efeitos na economia brasileira podem começar a ser sentidos antes. “A economia é composta tanto por fundamentos [condições atuais] como pela formação de expectativas [avaliações sobre o futuro]. As empresas que fizerem planejamento de longo prazo terão de colocar na tela de radar que o Brasil agora tem acordo com a maior economia no valor agregado que é a da União Europeia”, pontua o secretário especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, Marcos Troyjo.

Tarifas

Enquanto a União Europeia terá até dez anos para zerar as tarifas sobre quase todos os produtos do Mercosul, o Mercosul terá até 15 anos para fazer o mesmo com os produtos do bloco europeu.

Pelos termos do acordo, a União Europeia terá zerado as tarifas de importação de 92% dos produtos vindos do Mercosul até dez anos depois da entrada em vigor das novas regras. No mesmo intervalo, os sul-americanos terão zerado as tarifas de 72% das mercadorias vindas da Europa.

Cada categoria de produto terá um cronograma e uma regra específica. No setor industrial, a União Europeia comprometeu-se a acabar com as tarifas de importação para 100% dos manufaturados em até dez anos. O Mercosul, por sua vez, terá dez anos para zerar as tarifas de 72% dos produtos industrializados e mais cinco anos para atingir o patamar de 90,8%, sem precisar zerar as tarifas para todos os produtos.

***

Competitividade e aperfeiçoamento da legislação brasileira

Na avaliação do presidente-executivo da Associação de Indústrias de Curtume do Rio Grande do Sul (AICSul), Moacir Berger, o acordo deverá amenizar as dificuldades relacionadas à competitividade do couro brasileiro na Europa. “A eliminação gradual das barreiras fiscais e tributárias, a que está sujeito o couro curtido importado por aquele mercado, há que se ajustar os demais custos internos que influenciam diretamente na formação de nossos preços de venda”, frisa o executivo, acrescentando que o tempo até a efetiva redução de tarifas entre os blocos poderá ser utilizado para corrigir questões relacionadas às legislações. “É de se admitir que temos tempo suficiente para corrigir as distorções que, via de regra, são originadas em legislações arcaicas e práticas fiscais retrógradas praticadas no nosso Pais”, comenta Berger.

O dirigente da AICSul sustenta que o acordo possibilita acesso a um mercado que corresponde a 25% do PIB mundial, isento de embaraços tarifários, mas, em contrapartida, exige, em caráter de urgência, a reformulação e modernização da legislação doméstica brasileira. “Reforma tributária, política, previdenciária e fiscal formam o arcabouço que poderá dar sustentação ao empresário nesta nova fase do comercio internacional”, completa.

Triplicar as exportações para a UE

No ano passado, a Usaflex (Igrejinha/RS) aumentou em 55,4% o seu faturamento com exportação como resultado da elaboração de uma estratégia diferenciada no mercado internacional. E, a partir do acordo, a companhia projeta dobrar ou até triplicar as vendas para os países europeus. “Estamos revendo nossa estratégia de negócios para o países da União Europeia. O acordo reduz sistematicamente as alíquotas de importação e deixa nossos produtos mais competitivos, em nosso caso, calçados de conforto produzidos em couro, de calçados produzidos na própria Europa (Portugal, Espanha)”, comenta o gerente de exportação da calçadista, Jefferson Rodrigo Berz.

Para agregar valor

A Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) crê em números maiores na produção e exportação de calçados e componentes brasileiros para o mercado europeu. Segundo a superintendente da entidade, Ilse Guimarães, o acordo entre União Europeia e Mercosul é bastante favorável para a economia nacional como um todo, e não apenas para o setor calçadista. Ela lembra que a sustentabilidade também será um grande item para agregar valor na UE. “Assim, é uma grande oportunidade para que os materiais brasileiros integrem a cadeia global de valor, principalmente as concentradas na Europa”, comenta. Ilse aponta que o Mercosul também deve buscar outros parceiros, como o México e países da Europa fora do bloco econômico. “Por outro lado, buscamos inserção de materiais altamente competitivos em mercados maduros, tais como Portugal, Espanha, Itália e Alemanha.”

***

Oportunidade para consolidar o relacionamento

Para a Rafarillo (Franca/SP), este acordo entre União Europeia e Mercosul é visto como uma grande oportunidade. O gerente de comércio exterior da marca, André Ferreira, comenta que a fabricante de calçados masculinos sempre teve boas relações com todos os países do bloco da Europa, e que a parceria dará força para impulsionar mais a economia brasileira. “Nós da Rafarillo já produzimos muitos calçados com padrões e exigências internacionais. À medida em que nossos produtos comecem a ganhar mais espaço nas vitrines europeias fará com que a nossa visibilidade e prestígio confirme o nível e a excelência de nosso trabalho”, destaca. Ferreira também acrescenta que o Brasil tem um potencial gigante para negociar com o Velho Continente de forma mais atrativa. “Será uma troca enriquecedora que vamos abraçar e investir”, frisa.

Aumento da presença do calçado brasileiro no mercado europeu

O fundador e presidente da Couromoda, Francisco Santos, acredita que a aliança entre os dois blocos econômicos contribuirá para a expansão das exportações brasileiras de calçados.
“Atualmente, a Europa é um mercado promissor para o calçado brasileiro. O acordo se configura como uma possibilidade de ampliarmos e aumentarmos as vendas para aquele continente”, comenta. Francisco projeta que, para 2021, a partir do acordo, a Couromoda ganhará incremento em seu hall de expositores estrangeiros. “Deveremos contar com a presença de fabricantes de Portugal, um importantíssimo player do mercado europeu”, salienta. Em se tratando do Velho Continente, em setembro, a promotora paulistana intensificará a promoção de sua edição 2020 durante a Micam, na Itália.

Oportunidades para pequenos fabricantes

O diretor da Merkator Feiras e Eventos, Frederico Pletsch, considera o acordo Mercosul e União Europeia benéfico, especialmente, para os pequenos e médios produtores de calçados do Brasil. “É a oportunidade das empresas que ainda não exportam se inserirem na cultura do mercado externo. São inúmeras possibilidades a partir da abertura de novos mercados”, comenta. Pletsch destaca que a edição 2019 do Salão Internacional do Couro e do Calçado (SICC), maior feira promovida pela Merkator, já contou com a participação de expositores oriundos de Portugal. “Nossa intenção é ampliarmos esta participação internacional. Estamos desenvolvendo ações de relacionamento com o mercado europeu”, afirma.

Para colocar o Brasil numa rota de modernidade

O presidente da Francal Feiras e Empreendimentos, Abdala Jamil Abdala, avalia que o pacto é positivo para colocar o Brasil numa “rota de modernidade”. “Por um lado a redução dos impostos vai incentivar ainda mais nossa exportação para os países europeus; por outro, vai estimular a nos adequarmos às modernas tecnologias para ganhar produtividade e enfrentar a concorrência leal com os países que vierem vender no Brasil”, comenta, sustentando as oportunidades que se abrem a partir da feira promovida pela promotora paulistana. “No que tange à Francal, vemos este cenário como bastante positivo. Com preços mais atraentes, as marcas europeias terão que abrir mercado no País, e não há oportunidade melhor para abrir mercado do que numa feira de negócios”, sinaliza.

Balança comercial favorável ao Brasil

No ano passado, os calçadistas brasileiros exportaram 17,7 milhões de pares para países do bloco europeu, 14% menos do que em 2017. Já as importações de calçados europeus, em 2018, somaram 332,8 mil pares, 3,6% menos do que no ano retrasado.

O presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, projeta a partir do acordo um incremento nas exportações calçadistas do País. O executivo cita o saldo da balança comercial do Brasil com a União Europeia nos últimos três anos: US$ 144 milhões em 2017, US$ 123 milhões em 2018 e US$ 102 milhões de janeiro a junho deste ano. “Temos um saldo da balança comercial amplamente favorável para o Brasil. Isso indica uma corrente positiva ao passo que exportamos hoje regularmente para 20 países. E, com a melhoria da competitividade, da redução de custos, das tarifas que serão reduzidas a zero, certamente, expandiremos as exportações e aumentaremos o saldo numa condição bastante favorecida”, avalia Klein.

O executivo da Abicalçados salienta que um dos pleitos da entidade em relação ao acordo diz respeito à comprovação da origem do produto importado da União Europeia – que o produto tenha um mínimo de 60% dos seus componentes produzidos localmente. “Existiria a possibilidade de que algum país europeu pudesse se transformar numa plataforma de exportação de calçados de terceiros países para o Mercosul. Por isso, nós colocamos desde o início das negociações com o governo federal, a regra de que é preciso que 60% do conteúdo seja de origem europeia e isso segundo nos informam foi contemplado”, afirma.

***

Reflexos do acordo para o setor calçadista europeu

O calçado europeu é um dos produtos que têm atualmente os maiores direitos aduaneiros (alíquota chegando a 35%) ao entrar nos países do Mercosul. A liberação total da tarifa, que se aproxima, proporcionará livre acesso a um mercado atualmente composto por 260 milhões de consumidores. Em 2018 e de acordo com os dados do Anuário do Calçado Mundial, países como Argentina e Uruguai importaram € 520 milhões e € 482 milhões, respectivamente, em calçados da UE, apesar das altas tarifas de importação. “Estamos muito satisfeitos por termos alcançado o melhor resultado possível para o European Footwear e agradecemos aos negociadores da Comissão Europeia pelo seu apoio continuado”, avaliou o presidente da The European Confederation of the Footwear Industry (CEC), Luis Onofre. O dirigente destacou ainda as potencialidades da aliança. “Um acordo justo e abrangente favorecerá a integração econômica de ambas as regiões e criará muitas oportunidades para as empresas da UE, proporcionando-lhes um acesso mais favorável a um mercado de exportação promissor.”

VÍDEO

+ VEJA MAIS

AGENDA

+ VEJA MAIS

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

Cadastre seu e-mail para receber as novidades do Exclusivo.

Seu email foi cadastrado com sucesso.