A cruzada por uma genuína reforma tributária

10.08.2020

Neste momento em que a pandemia parece dar sinais de estabilização e a economia indícios de que o pior já passou, o governo brasileiro volta à carga em sua cruzada por aprovar reformas estruturantes. E a bola da vez agora é a reforma tributária.

É certo que há muito se discute a necessidade de se proceder a uma ampla revisão da atual estrutura tributária brasileira que vigora desde as reformas de 1967, ainda na fase inicial do período do regime militar.

A questão é que quando se fala em reforma tributária no Brasil, fica latente o receio da sociedade de que uma revisão do sistema possa, ao fim e ao cabo, elevar ainda mais a já sufocante carga tributária que, segundo estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, leva um brasileiro a ter que trabalhar, em média, cinco meses para honrar seus compromissos com o fisco.

Temos hoje um dos sistemas tributários mais complexos do mundo. Segundo relatório publicado pela consultoria Ernst & Young, a conclusão de um processo de contencioso tributário no país demora, em média, quase 19 anos, tamanha a complexidade de um sistema que suscita quase infinitas possibilidades de interpretações.

A idiossincrasia da nossa estrutura tributária chega ao cúmulo de se ter que levar ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais discussões como a de um calçado Crocs ser uma sandália de borracha ou um sapato impermeável, pois os dois têm alíquotas e tributações distintas.

É premente, portanto, a necessidade de uma ampla revisão do sistema tributário brasileiro. Temos hoje uma estrutura permeada pela participação de impostos cumulativos (CSLL, COFINS etc.) e concentrada em tributos indiretos (ICMS, IPI, ISS etc.) que além de encarecerem a produção e restringirem o acesso de bens ao consumidor, são contraproducentes do ponto de vista distributivo.

Neste sentido, a primeira parte da reforma tributária, enviada ao Congresso pelo Ministério da Economia no mês passado, parece ir na direção da simplificação ao propor a criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a partir da fusão do PIS e da COFINS.

Todavia, diante das propostas que já tramitam no Parlamento e que propõem também unificar tributos estaduais e municipais (como o ICMS e o ISS), a reforma enviada parece muito tímida.

O fato é que nesta primeira etapa da reforma ainda não foram incluídas mudanças polêmicas, tais como a tributação de dividendos (parte do lucro das empresas distribuído aos acionistas), as mudanças na legislação do Imposto de Renda e a criação do chamado imposto digital.

Do que se conhece até agora da proposta do governo, o aspecto certamente mais controverso diz respeito a este último, que seria uma espécie de CPMF (o extinto imposto sobre transações financeiras que vigorou até 2007) para transações eletrônicas.

O certo é que, com exceção da tributação sobre dividendos, tardia, porém bem-vinda, as propostas aventadas até aqui parecem não reverter os problemas da atual estrutura tributária.

No momento em que se discutem mudanças no sistema tributário brasileiro, deve-se ter em mente que uma genuína reforma deve ser antes um instrumento que reverta a complexidade e a regressividade do sistema e estimule o crescimento econômico, até porque quanto maior o nível de atividade econômica, maior será a própria base de arrecadação do governo.

Orlando Assunção Fernandes

Orlando Assunção Fernandes é economista, mestre em Economia Política e doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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