Uma cigarra com Covid-19

30.04.2020

A pandemia do novo coronavírus (Covid-19) atingiu a marca dos dois milhões de infectados pelo mundo e autoridades sanitárias vêm defendendo, em graus variados, o isolamento social para conter a sua disseminação e a consequente sobrecarga aos sistemas nacionais de saúde. Todavia, o distanciamento social, essencial para poupar vidas, tem produzido graves efeitos colaterais para a atividade econômica, afetando a oferta de bens e serviços e exigido, mundo afora, reações firmes e céleres dos governos para assegurar a sobrevivência das empresas, a preservação de empregos e a garantia de uma renda mínima para a população. Importantes bancos centrais, diferentemente do ocorrido na crise de 2008, atuaram rapidamente, reduzindo suas taxas de juros e ampliando seus programas de compras de ativos para sustentar a liquidez do sistema.

Nos EUA, o Federal Reserve (Fed) trouxe sua taxa básica de juros para próximo de zero, além de injetar cerca de US$ 3 trilhões de liquidez adicional em sua economia. O Banco Central Europeu (BCE), por sua vez, criou o Programa de Compra de Emergência Pandêmica para adquirir ativos no montante de até € 750 bilhões.

Medidas fiscais também estão sendo empregadas. A postergação do pagamento de impostos, a garantia de uma renda mínima a famílias e a concessão de subsídios para pagamento de parte dos salários são apenas alguns exemplos. A adoção de tais medidas tem feito com que alguns países rompam com sua tradição de equilíbrio fiscal. Um destes é a Alemanha que suspendeu temporariamente o chamado “freio da dívida”, a fim de poder financiar, por meio de endividamento, a ampliação adicional do gasto público necessário ao combate do vírus e suas consequências.

No Brasil o rol de medidas tem ido na mesma direção, como a dilatação dos prazos de pagamento de impostos, transferência de renda a trabalhadores informais e desempregados, bem como compensações a empresas que mantenham os empregos e o pagamento dos salários de seus trabalhadores.

Diferente da Alemanha, cujas contas públicas eram, até a incidência do vírus, superavitárias, o Brasil vem de anos de déficit fiscal e os mecanismos de proteção acionados por aqui nem de perto têm a mesma intensidade (apesar de contarmos com um contingente de vulneráveis muito maior). Ainda assim, o resultado para as contas públicas e para a trajetória do endividamento do estado brasileiro poderá ser dramático, em especial, a depender do tempo que durar esta pandemia. Se a nossa situação fiscal pregressa fosse melhor, os mecanismos de proteção ora empregados poderiam ser mais abrangentes, longevos e seu impacto futuro mais facilmente “administrável”.

O certo é que a lição contida na fábula da formiga e da cigarra, atribuída a Esopo e recontada por Jean de La Fontaine, deve ser aprendida também por governos. Ao contrário do comportamento da cigarra descrito na fábula, deve-se trabalhar duro no verão para se acumular provisões para o inverno. Afinal, nunca se sabe o quão rigoroso poderá ser o frio.

Orlando Assunção Fernandes

Orlando Assunção Fernandes é economista, mestre em Economia Política e doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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