Os riscos de uma meta de inflação menor

25.07.2019

No último mês de junho, o Conselho Monetário Nacional (CMN) se reuniu para ratificar definir a nova meta de inflação para 2022.

De acordo com o comunicado do CMN, a meta será de 3,5% (para 2019, 2020 e 2021 são, respectivamente, de 4,25%, 4,0% e 3,75%) com uma banda de variação de 1,5% para mais ou para menos. Quando comparado aos 10,67% de inflação apurada a quatro anos atrás, certamente é um número assaz ambicioso.

É importante que fique claro que não se questiona os benefícios para a sociedade de uma menor inflação, haja vista a redução da perda do poder de compra da população, bem como pelas menores chances da ocorrência de uma espiral inflacionária o que pode levar os preços a se comportarem de forma exponencial.Todavia, é importante lembrar também que se a inflação atualmente tem se mantido comportada e próxima do número definido pelo CMN (o que, certamente, o influenciou na decisão), isto se deve mais a trajetória recente da economia brasileira - em que o PIB per capita caiu cerca de 8% nos últimos 5 anos - do que a fatores estruturais, como a redução do endividamento público ou ao desaparecimento dos mecanismos de indexação presentes na economia.

Ao contrário, a relação dívida pública sobre o PIB só tem aumentado nos últimos anos (projeta-se que alcance cerca de 80% ao final de 2019), e quase 25% dos produtos apurados pelo IPCA (índice oficial de inflação) possuem forte componente inercial, sendo indexados por contrato, ou seja, têm a inflação repassada aos seus preços.

Destarte, diante da atual dinâmica da dívida pública, aliado a este componente inercial, não se pode desconsiderar os riscos de se buscar uma meta de inflação menor. Isto porque quando a economia brasileira voltar a crescer com maior vigor (o que todos nós desejamos), a fixação de uma meta de inflação mais estreita poderá exigir, devido ao aquecimento da demanda, um esforço maior da política monetária (leia-se elevação da taxa básica de juros) para manter a inflação dentro da meta.

Ademais, este processo pode resultar também em maior concentração de renda, haja vista que elevações na taxa Selic não exercem influência relevante sobre serviços como pedágio, energia, telefonia, dado que tais preços preveem, por contrato, majoração automática a partir de um indexador.

Neste sentido, para que a inflação possa ficar dentro da nova meta, preços de outros produtos e serviços (tais como restaurantes, cabelereiros, lojistas em geral) terão que, necessariamente, apresentar quedas mais intensas para compensar o reajuste daqueles, o que resultará em uma injusta transferência intersetorial de renda.

A alternativa a este cenário seria uma revisão ou o próprio descumprimento da meta (como ocorreu em 2002 quando a meta foi fixada também em 3,5% e acabou não sendo cumprida), o que traria sérios questionamentos sobre a credibilidade do sistema de metas. O fato é que sem fazer primeiro a lição de casa, o risco de se perseguir metas de inflação próximas a de países centrais é ainda muito grande. Por mais que tal aspiração seja legítima e desejável, nossa realidade ainda se revela distante da de países de economia madura.

Orlando Assunção Fernandes

Orlando Assunção Fernandes é economista, mestre em Economia Política e doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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