A escalada do protecionismo

30.04.2019

Em 2018, o protecionismo (a imposição de barreiras tarifárias ou fitossanitárias sobre produtos importados) ganhou uma nova dimensão. A guerra comercial travada entre as duas maiores potências econômicas do mundo, inaugurada com a elevação de tarifas pelos Estados Unidos sobre vários produtos chineses, promoveu incertezas e exerceu constrangimento sobre o fluxo de comércio internacional.

Como assinalado pelo Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI), várias podem ser as justificativas para tal comportamento, entre as quais estaria a intenção do atual governo americano de proteger sua propriedade intelectual, bem como trazer de volta antigos elos industriais perdidos para outros países ao longo das últimas décadas. Destarte, pelo lado chinês, as retaliações indicariam sua vontade em avançar em direção a etapas mais sofisticadas da cadeia produtiva.

Todavia, a despeito do desejo do mercado de que uma guerra comercial entre estes dois países não venha a ser travada, bem como das tentativas da diplomacia de ambos os lados de se chegar a um acordo comercial satisfatório, é possível que as investidas protecionistas não sejam temporárias e que não venham a se restringir exclusivamente as duas superpotências.

Aliás, os efeitos de um contexto internacional mais protecionista já podem ser sentidos. Segundo estudo publicado em novembro passado pela Organização Mundial do Comércio (OMC), o número de medidas restritivas ao comércio internacional avançou 22% frente aos doze meses anteriores e a imposição de barreiras atingiu uma fatia de quase US$ 600 bilhões do fluxo mundial de comércio, quase seis vezes mais do que em 2017.

O fato, como apontado pelo IEDI, é que em um sistema produtivo caracterizado por cadeias globais de valor, nas quais a produção e a montagem são distribuídas entre espaços físicos distintos (não se limitando apenas a um único país), o maior protecionismo pode atingir também diferentes setores e nações, tornando ainda mais complexas as relações comerciais que já passam por significativas transformações devido à revolução tecnológica em curso.

É certo, contudo, que tal cenário poderá ser aproveitado por outros países. E diante da atual situação econômica, em que o governo brasileiro almeja (ao menos no discurso das recém-empossadas autoridades econômicas) abrir suas fronteiras e ser um player relevante no comércio internacional, tal contexto pode vir a se transformar em uma oportunidade.

Todavia, para se beneficiar deste cenário, será necessário superar problemas endêmicos, entre os quais podemos citar a elevada carga tributária, a baixa produtividade da mão de obra e a carência de investimentos em setores chaves para melhorar a competitividade dos nossos produtos no exterior, entre os quais podemos citar os setores de energia, transporte, portos e aeroportos.

Sem fazer esta lição de casa, mais do que não conseguir aproveitar eventuais oportunidades, poderemos nos tornar apenas mais uma vitima desta escalada protecionista global.

Orlando Assunção Fernandes

Orlando Assunção Fernandes é economista, mestre em Economia Política e doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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