O xadrez fiscal

06.03.2019

No mês de janeiro, o Tesouro Nacional divulgou o resultado das contas públicas para o mês de dezembro e, por conseguinte, para o consolidado do ano.

Em 2018 o governo federal voltou a registrar, pelo quinto ano consecutivo, saldo negativo em suas contas, apresentando resultado primário (diferença entre receitas e despesas, sem considerar o pagamento de juros) deficitário de R$ 120,3 bilhões, o equivalente a 1,7% do PIB.

Este resultado ficou abaixo da meta projetada para o ano de um déficit de R$ 159 bilhões, mas praticamente repetiu o resultado obtido em 2017, cujo saldo negativo fora de R$ 124,3 bilhões.

No ano passado a despesa primária, sujeita ao teto de gastos estabelecido pela Emenda Constitucional 95/2016 (que limita a expansão das despesas governamentais à inflação do ano anterior), totalizou R$ 1.287,9 bilhões, abaixo do limite de R$ 1.347,8 bilhões estabelecido no orçamento. Tal resultado explica-se, especialmente, pelo contingenciamento das chamadas despesas discricionárias (leiam-se gastos com investimentos).

É importante ressaltar que o resultado deficitário abaixo do estabelecido não diminui o desafio fiscal brasileiro, cuja superação passa por reformas que viabilizem, doravante, a retomada dos superávits primários.

E, entre tais reformas, certamente está a reforma da previdência, que visa readequar o sistema previdenciário oficial à evolução demográfica da população brasileira. Para se ter ideia mais precisa do problema fiscal da previdência social brasileira, esta, sozinha, registrou, em 2018, déficit de R$ 195,2 bilhões.

Todavia, a despeito da sua importância, o fato é que não se sabe quando e qual reforma da previdência passará pelo crivo do Congresso Nacional, bem como também é certo afirmar que, mesmo se aprovada, seus efeitos fiscais mais expressivos só se farão sentir mais intensamente ao longo dos próximos anos.

Destarte, com um limite pouco superior a 3,5% para o aumento das despesas em 2019 (como previsto pela Emenda 95/2016), e considerando-se todos os gastos obrigatórios (que por lei não podem ser contraídos), o cumprimento do teto acarretará necessariamente, como já ocorreu em 2018, em corte das chamadas despesas discricionárias, ou seja, dos chamados gastos de capital, conduzindo a uma inexorável redução na disponibilidade de recursos destinados aos investimentos públicos em infraestrutura.

O problema é que já vivemos um cenário em que a soma do investimento público e privado nos setores de energia, transporte, telecomunicações, aeroportos, portos e saneamento, que nos anos 70 chegou a representar 5% do PIB, hoje não ultrapassa os 2%. E sem investimentos nestas áreas, torna-se inviável alargar os chamados gargalos estruturais da economia, comprometendo a retomada do crescimento econômico e do emprego em futuro próximo.

O certo é que, neste xadrez fiscal, os jogadores precisarão ser mais criativos em suas estratégias do que simplesmente apostar em uma única reforma como panaceia para todos os males da economia brasileira.

Orlando Assunção Fernandes

Orlando Assunção Fernandes é economista, mestre em Economia Política e doutor em Teoria Econômica pelo Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

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