Indústria e política econômica

19.12.2018

O mercado financeiro celebrou a vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial, diante da perspectiva de manutenção do tripé que orienta a política econômica do país há praticamente duas décadas, com alguns reveses temporários.

O economista Paulo Guedes seria a garantia da permanência desse arranjo tão favorável aos interesses do sistema financeiro, que combina juros altos, câmbio valorizado e aperto fiscal.

Os empresários do setor produtivo também manifestaram satisfação com o resultado eleitoral, acreditando em dias melhores com a perspectiva de aprofundamento de uma pauta de medidas de liberalização econômica.

Mas cabe a pergunta: o que é bom para o mercado financeiro necessariamente é benéfico, por exemplo, para a indústria?

A indústria de transformação no Brasil, que chegou a responder por 21,8% do PIB do País em meados dos anos 1980 – quando foi uma das responsáveis pela superação da crise da dívida externa, por sua capacidade de gerar renda, emprego e divisas para o Brasil – está hoje reduzida a pouco mais de 11% do PIB.

As razões são bem conhecidas daqueles que ainda resistem na produção industrial: custo de capital dos mais altos do mundo (juros elevados e crédito restrito), câmbio valorizado (que reduz a competitividade no mercado externo), infraestrutura sucateada (dada a incapacidade de investimento do setor público) e carga tributária excessiva (impostos indiretos que elevam os custos de produção).

Em suma: o mesmo tripé de política econômica que garante a rentabilidade das instituições financeiras tem sido o responsável pelo encolhimento acelerado da indústria nacional.
As reformas previstas para 2019, como o aprofundamento da reforma trabalhista, poderão dar algum alívio no curto prazo para o setor industrial. Contudo, o custo menor com a força de trabalho também representará – juntamente com a reforma previdenciária e redução dos gastos públicos com políticas sociais – um mercado interno menor no futuro, pela perda de poder de consumo do assalariado brasileiro.

Embora seja um economista ultraliberal e que sempre atuou no setor financeiro, Paulo Guedes tem sinalizado em alguns momentos a possibilidade de uma intervenção mais ativa no câmbio, com uma possível aposta num real mais desvalorizado.

Se a recuperação da competitividade da produção nacional gerar crescimento da economia e da arrecadação, o passo seguinte seria a redução de impostos das empresas. Parte das reservas em dólares também poderia ser usada para reduzir a dívida pública, possibilitando juros menores no futuro.

Ou seja, o tripé macroeconômico, tão festejado pelo mercado financeiro, mas que tem engessado o crescimento do setor produtivo brasileiro, poderia sofrer mudanças importantes no novo governo – embora não haja qualquer garantia de que essas sinalizações do novo ministro da Economia se confirmem.

São apenas especulações. Mas será que é isso que Paulo Guedes quis dizer quando afirmou que pretende “salvar a indústria, apesar dos industriais”? Esses mesmos industriais que celebram a manutenção do tripé econômico com o mercado financeiro? A resposta começará a ser dada em 2019.

Andrés Vivas Frontana

Andrés Vivas Frontana é economista, mestre e doutor em Teoria Econômica pela USP e professor da ESPM, no curso de Administração.

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