Um dia de trabalho qualquer

26.03.2018

Ingrid acorda um pouco antes do despertador, como de costume. Levanta logo, para não se atrasar e virar motivo de piada na empresa. “Se perdeu no caminho?” ou “furou o pneu?” são as “tiradas” mais frequentes. Normal, para uma empresa mais normal ainda, que não vem batendo metas há algum tempo. Mas, lá dentro, todos se acham espertos, sabem o que fazer, só não fazem porque ainda vai chegar o dia certo de se fazer. Um dia depois do alinhamento estratégico que nunca faremos, ou depois da convenção de vendas, que serviria para motivar, mas os vendedores chegam cansados da viagem de 8 horas para não pagar um pernoite, sentam e ficam no celular conferindo as redes sociais.

O gerente mostra aqueles números mornos e demonstra aquela insatisfação de um poodle velho sem dentes. Só pode estar brincando! Mas, os slides avançam, vendedor por vendedor. Estamos, agora, no nono vendedor de um total de 27. Chega um motivador para fazer a turma voltar dos mortos. Faz umas piadas, conta umas frases de efeito e histórias que aconteceram com ele. Foram duas horas divertidas, pelo menos, sem ter que ouvir aquela vozinha do gerente. A apresentação de coleção salva o dia. Novos produtos, lançamentos, preços alinhados com a proposta e um discurso pensado para as vendas arrebentarem. Uma estratégia alinhada entre comercial, marketing e produto. Mas, quando você vê o gerente comercial e o filho do dono, que toca o marketing, na primeira fila, vendo pela primeira vez a coleção, sabe que algo de muito errado vai acontecer. E acontece.

Para poupar, foram usadas as mesmas construções, reaproveitados aqueles materiais que ninguém quis na coleção passada, mesmo que as cores não sejam bem aquelas que o cliente tá vendo no mundo todo da moda. Ficou feio, mas tá num preço bom. Só falta encontrar mulher que compra sapato feio, uma nova segmentação. Como o negócio tá difícil e temos de manter o nosso preço médio no lugar errado de sempre, as compras foram informadas que deveriam cortar 10% dos custos. Estrategicamente, compras liga para seus principais fornecedores e pede que reduzam 10% do custo se quiserem continuar abastecendo, em um tom imperial. Algo que deixa sua rede de fornecimento energizada e disposta a trabalhar com você.

O filho do dono troca de carro, pois a empresa está com problemas, mas ele não. O dono troca de carro em seguida, pois a empresa dele está com problemas, mas ele não. E a esposa aparece no Instagram pela Europa com as amigas, selfie após selfie. Tem gente de muita sorte.

Vamos treinar a turma, pensa o RH estratégico da empresa, que só faz a folha de pagamento. Num lampejo de sabedoria, lança a ideia, cortada segundos depois. “Treinar para quê, se depois eles vão embora daqui para outra empresa”, reflete majestosamente o dono da empresa que, por fim, diz “não fazer parte da nossa política pagar treinamentos para funcionários”.

O despertador toca mais uma vez, para mais um incrível dia de trabalho. Hoje, Ingrid chegará no horário e sairá uns 30 minutos depois. Ficará no Facebook, mas seu chefe valoriza quem fica depois do horário. É um bom indicador, dizem que foi criado na Roma antiga. Como dizia Arnold Bennett, “o pessimismo, depois de você se acostumar a ele, é tão agradável quanto o otimismo”.

Gustavo Campos

Gustavo Campos é coach comercial, sócio e analista de inteligência da FOCAL Pesquisas.
www.focal.com.br
focal@focal.com.br

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