Patrícia Palermo: Um 2017 de recuperação lenta

17.05.2017 - Bárbara Bengua / Jornal Exclusivo

Apesar de uma pequena melhora nos últimos meses – ou “despiora” –, ainda é muito cedo para comemorar uma retomada da economia brasileira. Para a economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, o quadro de 2017 pode ser resumido em três pilares: incerteza, crescimento frágil, fraco e lento, e desinflação – tudo de forma gradual.

Além de questões internas, como as reformas Trabalhista, Previdenciária e, possivelmente, Tributária – que irão impactar diretamente o empresariado nacional –, há, ainda, políticas internacionais que podem interferir direta ou indiretamente nos negócios e no câmbio. “O discurso de Trump, assim como de outros políticos de países desenvolvidos, é de que, na verdade, eles foram prejudicados pela globalização, pois exportaram emprego e renda para os emergentes”, explica a especialista, mencionando que, historicamente, as economias mais abertas sempre foram as que mais prosperam. “Se construirmos uma cultura de muros, o mundo terá a perder”, enfatiza.

Os possíveis desdobramentos da Operação Lava Jato também são, no ponto de vista da economista, motivo de insegurança. “Acredito que seremos melhores no longo prazo, depois da Lava Jato, mas, no curto prazo, pagaremos um preço alto por isso”, pontua Patrícia.

Os reflexos da crise – a mais longa e profunda vivida pelo País – foram sentidos tanto pelas companhias frágeis, como pelas sólidas. No entanto, a economista ressalva ter havido as que conseguiram se destacar. Confira a análise feita pela profissional dos pontos a serem repensados pelos empresários, diante deste arranjo político-econômico.

Como você classifica o atual momento vivido pelo Brasil? Podemos dizer que estamos nos recuperando ou ainda é muito cedo para afirmar isto?

Patrícia Palermo - Nós já temos, basicamente, um cenário de retomada. Entretanto, o que vivenciamos está mais ligado à ideia de uma “despiora” do que de uma melhora. Existe uma série de sinais positivos e alguns números já demonstram que a economia começa a reagir. A arrecadação do governo federal mostra expansão, ainda que marginal, refletindo aumento da atividade. O ritmo da destruição líquida de empregos também tem diminuído e a indústria, ainda que motivada pelo ciclo de estoques, também apresentou melhora.

Você percebe, portanto, um aumento na confiança da população brasileira? Sim, tudo isso acaba por refletir numa melhora na confiança, tanto dos consumidores como dos empresários da indústria e do comércio. Ainda que se esperem aumentos do investimento, a ociosidade presente na economia funciona como um limitador natural da formação bruta de capital fixo. Assim, acredito que, ao longo de 2017, a economia também deverá ser impulsionada pelo aumento do consumo, motivado pela desinflação e pela redução dos juros.

Qual é a sua opinião em relação às políticas internacionais, que estão se mostrando muito conservadoras – como ocorre no governo Trump –, além das consequências do Brexit? O discurso de Trump, assim como de outros políticos de países desenvolvidos, é de que, na verdade, eles foram prejudicados pela globalização, pois exportaram emprego e renda para os emergentes. Para reverter isso, a solução seria a implementação de práticas protecionistas, embaladas no fervor nacionalista de criar nações “great again (ótimas novamente)”. Mas o que a teoria econômica tem mostrado é exatamente o contrário. Economias mais abertas são historicamente as que menos fazem guerra (com aqueles que comerciam) e que mais prosperam. Então, se construirmos uma cultura de muros, o mundo terá a perder.

E de que forma o nosso País será impactado por estas mudanças? É bom lembrar que, no caso brasileiro, especificamente, o efeito é mais indireto do que direto. O Brasil tem uma taxa de exportação sobre o PIB próxima de 12,5%. Nossas exportações para os EUA são aproximadamente 12,5% de nossas exportações totais de bens. Nós temos uma relação comercial deficitária e, portanto, não andamos na mira do novo presidente americano. Mas o problema é que, se eles se fecharem, isso pode gerar o “empoçamento” de produtos que tinham aquele país como destino. É possível que isso aumente a oferta mundial desses produtos e, com certeza, baixe preços, o que seria altamente prejudicial para a nossa indústria local, que há tanto tempo vem remando para tentar sair dessa crise em que vive.

Qual é a sua projeção em relação ao dólar? Podemos esperar uma estabilidade ou ainda teremos oscilações significativas? Dizem que perguntar a um economista como vai se comportar o câmbio é lembrá-lo de ser humilde. No curto prazo, o câmbio desenvolve aquilo que na econometria chamamos de “passeio aleatório”; isto é, comporta-se como uma variável que não se consegue modelar sua trajetória. Assim, o que se pode fazer é avaliar o conjunto de forças que levam à sua valorização ou desvalorização. Em princípio, as expectativas de desvalorização em decorrência do ciclo de alta dos juros nos EUA acabaram não se realizando. A retomada da governabilidade no Brasil, ainda que frágil, e o avanço de uma agenda clara, focada no controle do endividamento público e na melhoria do ambiente de negócios, tem reduzido o risco-país e promovido a valorização da moeda. Entretanto, a aversão ao risco provinda das incertezas derivadas da agenda econômica do governo Trump tende a continuar exercendo pressão sobre as moedas de todos os países emergentes. Além disso, são esperados aumentos das taxas de juros nos EUA e queda dos preços das commodities. Nesse cenário, a expectativa é de que o câmbio feche 2017 em torno de R$ 3,25.

O que percebemos no mercado atual é que a indústria se readequou ao novo momento econômico, mas o varejo ainda luta para conseguir atrair o consumidor. Quando teremos um movimento de retomada do consumo mais vigoroso? Ou isso não está perto de acontecer?  O quadro de 2017 pode ser resumido em um tripé: incerteza, crescimento frágil, fraco e lento, e desinflação. A incerteza vem da política, tanto no cenário externo quanto interno. No âmbito da economia brasileira, deveremos observar um crescimento, como falei, frágil, fraco e lento, em decorrência das próprias características da crise que vivenciamos nos últimos anos. Uma crise que se prolongou por muito tempo, fragilizando, inclusive, empresas sólidas e que resultou em uma grande ociosidade, que vai retardar o processo de retomada do mercado do trabalho, elemento essencial para a volta do consumo. Todavia, a melhora na atividade, aos poucos, vai reduzindo o medo das pessoas perderem o emprego, o que muda, favoravelmente, o comportamento dos consumidores quanto ao consumo. Além disso, estamos experimentando uma situação de desinflação na economia, que se apresenta muito robusta e que abre espaço para diminuirmos de maneira forte e rápida a taxa de juros e que, com certeza, irá nos encaminhar a taxas de crescimento mais elevadas num futuro próximo. Num ambiente de salários altamente indexados como o Brasil, uma redução rápida e intensa da inflação acaba por criar novas possibilidades de consumo para os indivíduos que permaneceram no mercado de trabalho, o que contribui para a redução do nível de endividamento e aumento do consumo das famílias. Todavia, tudo isso acontece de forma gradual. Acredito que vai demorar para o consumo das famílias retomar o ritmo vivido em meados dos anos 2000.

O clima de incerteza em relação à Lava Jato ainda é muito grande. Na sua opinião, o que os brasileiros e, especialmente, os calçadistas podem esperar em relação a essa operação? No âmbito doméstico, além do avanço da Lava Jato, que ameaça a governabilidade e a dinâmica das reformas, ainda existe o processo da cassação da chapa Dilma-Temer, que não sabemos ao certo como deve evoluir, pois não há precedentes do gênero. Acredito que esta é uma operação que precisa ser comemorada pela sociedade brasileira, porque ela escancarou uma prática institucionalizada da relação perversa que pode se dar entre agentes públicos e privados, com finalidades de enriquecimento pessoal ou de manutenção de um grupo no poder. Acredito, ainda, que seremos melhores no longo prazo depois da Lava Jato, mas, no curto prazo, pagaremos um peço alto por isso. A incerteza sobre a governabilidade presente e a possibilidade de surgimento de “salvadores da pátria” nas eleições de 2018 são, para mim, os principais fatores de risco e apreensão.

É sabido que há empresas que cresceram mesmo durante a crise. Como conseguir essa façanha? As crises tendem a abalar, primeiramente, as empresas mais frágeis, do ponto de vista financeiro e comercial. Mas a crise como a que nós vivemos, que foi longa e profunda, atingiu também as empresas sólidas. As companhias que cresceram na crise foram as sanadas do ponto de vista financeiro e que conseguiram avistar possibilidades comerciais interessantes. As que conseguiram se internacionalizar nos anos anteriores e que tinham a maior parcela das vendas voltadas para o mercado externo se viram em melhor situação daquelas que dependiam totalmente do mercado interno.

Durante o momento de recessão, que tipo de que decisões você considera terem sido importantes para as companhias superarem as adversidades? O resultado depende das receitas, mas também dos custos. Quem conseguiu, nesse período, reduzir custos logísticos, o que envolve não apenas o transporte, mas também custos de armazenagem, identificação e etiquetagem, custos de desperdício de matérias-primas e tempo na produção, e conseguiu otimizar o uso da mão de obra, certamente se diferenciou no processo. Além disso, vale destacar que, apesar da queda nas vendas no mercado interno, quem apostou em produtos bem acabados, com matéria-prima de qualidade, e com design inovador garantiu seu espaço nas preferências dos clientes. Por fim, é importante ressaltar que o tempo recente foi um período de repensar a relação empresa-cliente. Quem conseguiu se aproximar, criar uma conexão ativa com seu cliente, ouvi-lo e entendê-lo, teve sucesso.

O que você enxerga, objetivamente, para o segundo semestre de 2017? Se a política não atrapalhar a economia, a atividade vai continuar gradualmente melhorando, a inflação deverá cair até registrarmos cerca de 4% ao ano e a taca Selic deve chegar em 8,25% a 8,5% ao ano.

Para ler a entrevista completa, acesse edição digital do Jornal Exclusivo.

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