Declínio em Franca contrasta com a expansão no Ceará e na Bahia (parte 1)

25.10.2016
Seriamente preocupado com os efeitos colaterais para o setor calçadista em sua região, logo após a instituição do Euro, um empresário espanhol (que se fazia porta-voz de outros dois companheiros) mencionava então como principais fatores negativos a nova situação cambial e a necessidade da utilização de mão de obra a custo mais baixo, originária, em boa parte, do Norte da África. E, demonstrando conhecimento, em amplitude internacional, que incluía atividade industrial de Franca, dirigindo a mim, preconizou em tom de advertência:
– Tenga cuidado (Franca), porque de lo contrario se corre el riesgo de enfrentarse a los problemas que enfrentamos hoy.
Esse encontro ocorreu há uns 15 anos, em uma tradicional região produtora de calçados masculinos e femininos da Espanha, já às voltas com um período de evidente instabilidade econômica. Dado que o setor calçadista em geral, pela própria natureza de sua atividade, padece de problemas similares, seja lá onde for, essa predição do espanhol parece materializar-se assustadoramente na cidade que já chegou a ser decantada como a capital dos sapatos masculinos. E que nos dias de hoje assiste, entre inerme e assustada, não propriamente a um ciclo negativo, mas, o que é pior, à sinalização indicativa de um futuro incerto e inseguro para o seu parque calçadista, com reflexos em toda cadeia produtiva do qual é o eixo dinâmico.
E com o agravante de estar atirada à própria sorte, ao desamparo de setores competentes nas esferas estadual e federal. Pois assim, sem voz ativa e influente, não recebe mais que acenos de projetos estratégicos “vindos de cima”, que nunca se viabilizam, porque soem ser inadequados, inócuos e destituídos de sentido prático.
Enquanto as coisas caminham assim, num já reconhecido centro calçadista do interior do Estado dito o mais rico e próspero da União, – mas que mantém solene e reiterada atitude de desprezo a esse setor de média tecnologia e intenso em ocupação de mão de obra –, dois Estados do Nordeste (Ceará e Bahia) despontam como protagonistas de novos e hoje consolidados polos produtores de sapatos de variadas linhas, destinados ao mercado externo e também ao mercado interno.
O sucesso na implantação dos dois referidos núcleos calçadistas – com destaque para o do Ceará – não se deve apenas à disponibilidade mais barata da mão de obra, mas acima de tudo à racionalidade de um planejamento bem traçado e executado, com o vigoroso amparo, na medida correta, dos respectivos governos estaduais, dentro de um processo contínuo e sempre aprimorado que teve início no final da década de 1990.
Já no alvorecer do milênio seguinte, teve início um ciclo de transferências de importantes indústrias do Sul e Sudoeste do País, as quais, estimuladas pelas propostas governamentais e pela disponibilidade de mão de obra abundante, factível de adequado treinamento, foram essas indústrias migrantes se juntando expressivamente às pequenas e microempresas preexistentes e já em fase de expansão.
O mercado externo figurou como meta prioritária das referidas grandes empresas. Ademais de outros atrativos, a posição geográfica muito contribuiu para a viabilização de tal projeto, devido à menor distância em relação aos Estados Unidos, num período de certa retração nas suas importações, de tal sorte que os preços competitivos passaram a ser um fator importante na escolha dos fornecedores. Um fato, aliás, registrado em boa análise por estudiosos nordestinos.
Não é sem razão, pois, que o Ceará desbancou Franca e São Paulo da condição de segundo maior exportador de calçados do País, cuja liderança cabe imbatível, ao Estado gaúcho, com estrutura calçadista firme, não obstante o cenário de grandes dificuldades econômicas que o Brasil atravessa.
Mas cabe enfatizar que o sucesso do Ceará e da Bahia foi alcançado por méritos. Um exemplo de fazer inveja e que deveria pôr em brios as autoridades governamentais de São Paulo, caso elas se importassem deveras com os destinos do ramo calçadista majoritariamente concentrado no interior. Com efeito, os dois Estados nordestinos foram e estão sendo diligentes ainda ao atraírem mão de obra qualificada de regiões mais evoluídas tecnicamente, enquanto desenvolvem parcerias bem sucedidas com instituições competentes, como forma de elevar o nível de capacitação profissional, por via de cursos especializados em variadas etapas da produção.

Luís Carlos Facury

Luís Carlos Facury é economista e professor universitário (Economia Internacional), jornalista e calçadista.

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