O sapato chinês do Temer

14.10.2016
A publicidade contendo subentendida crítica ao presidente Temer por ter adquirido um par de sapato na China configura um equívoco tão primário que só encontra justificativa no desconhecimento dos problemas inerentes à produção e comercialização externa do calçado brasileiro. Difícil, portanto, creditar a informação a “fabricantes indignados” sobre o que se entendeu simbolizar como um ato de prestígio do presidente Temer a um forte concorrente do nosso sapato.
Em artigos anteriores, procurei demonstrar que diversos setores da economia chinesa já estão convivendo com resultados animadores decorrentes da implantação de uma bem concebida política industrial, que privilegiou investimentos maciços na infraestrutura de promissores segmentos produtivos, com especial atenção àqueles de intensiva ocupação de mão de obra. A isso seguiu-se um programa de estímulos e suportes de variada ordem, com previsão de parcerias entre o governo e a iniciativa privada, incorporando previsões de forte estímulo ao crescimento do consumo interno. E com o respaldo de um sistema cambial administrado em benefício dos setores de exportação. No conjunto dessas ações, fica evidente que a China pretende mostrar ao mundo que está apta para cumprir o Protocolo de Acesso à OMC, credenciando o país a ingressar no sistema multilateral de comércio, já livre de tantas barreiras protecionistas às quais estará sujeita até o fim deste ano. Fato que já deveria ser objeto de atenção por parte dos condutores da economia brasileira.
Voltando ao assunto à hipotética indignação de setores calçadistas a propósito da compra do sapato de um forte competidor, cabe demonstrar que o alvo correto da insatisfação deveria ser o próprio governo brasileiro. Um governo, ou melhor uma sucessão de governos, cujos titulares da área econômica se mostraram efetivamente desinteressados em formular e implementar a necessária política industrial destinada a promover e assegurar a expansão de tantos ramos da atividade produtiva neste País. O que representaria, ademais, o instrumento adequado para combater, com poder e eficácia, essa somatória de desacertos, esse arco constringente que vai da instabilidade cambial aos estrangulamentos recessivos do chamado “Custo Brasil”. Causa e efeito de tantos transtornos, dentre os quais a desarticulação de não poucas e importantes empresas calçadistas que chegaram a apostar alto na conquista do mercado externo.
Face a isso, fica evidente a contradição entre a inércia governamental diante dos persistentes embaraços no domínio das exportações e os reiterados acenos oficiais embutidos na defesa do incremento das exportações de produtos manufaturados. Não dá mesmo para entender.
Pelo visto, a iniciativa de uma discussão ampla e objetiva com vistas a medidas eficazes e urgentes para reanimar o setor calçadista, a começar pela expansão do processo de exportação, deve caber necessariamente às lideranças que representam os principais centros de produção do Brazil, em consonância com a diretriz central da Abicalçados. Não dá para esperar mais. Não podemos correr o risco de a simples compra de um par de sapato chinês experimentar um efeito multiplicador de milhões, não lá, mas aqui no Brasil!

Luís Carlos Facury

Luís Carlos Facury é economista e professor universitário (Economia Internacional), jornalista e calçadista.

VÍDEO

+ VEJA MAIS

AGENDA

+ VEJA MAIS

MAIS LIDAS

Cadastre seu e-mail para receber as novidades do Exclusivo.