Carmen Steffens: rumo às 50 marcas mais desejadas do mundo

28.09.2016 - Roberta Pschichholz / Jornal Exclusivo
Foto: Fábio Winter/Divulgação Presidente da grife, Mário Spaniol realizou o sonho de ter uma brand de calçados como nenhuma outra
Presidente da grife, Mário Spaniol realizou o sonho de ter uma brand de calçados como nenhuma outra
Tudo o que diz respeito a Mário Spaniol é superlativo e passível de polêmica. De personalidade forte e sem papas na língua, o nome à frente do império Carmen Steffens fala abertamente sobre sua trajetória e tem uma meta ambiciosa: até 2030, quer a marca entre as 50 mais importantes do mundo. E o projeto de conquista deste universo disputadíssimo está muito bem arquitetado. “Nosso planejamento é ter uma loja nas 50 cidades mais importantes do mundo, até 2020, 2022, aí teremos a visibilidade que precisamos”, explica o empresário, natural de São Sebastião do Caí/RS.
Assim como o mentor do negócio, os pares que saem das esteiras são nada discretos. As Carmen Steffens lovers – entre elas estão estrelas do show bis internacional, como Jennifer Lopez e Madonna, além do dream team de atrizes da Globo – querem mesmo se destacar no meio da multidão, calçando modelos com estampa de bichos exóticos, recortes sinuosos, saltos poderosos e pedrarias extravagantes. “Não queremos agradar a todas, mas sabemos claramente quem é o público Carmen Steffens”, argumenta Spaniol. Eis o “pulo do gato” do negócio: vender para um público-alvo que pouco sofreu com os solavancos da economia brasileira, tendo em vista os maus bocados enfrentados pelas faixas B, C e D nos últimos anos. Os números confirmam a estratégia acertada. De 2009 a 2014, a companhia cresceu anualmente 45% e fechou 2015 com incremento de 24%. No primeiro semestre de 2016, o percentual de desempenho foi de 22%, descontados os investimentos em expansão.
Com um modelo de administração totalmente verticalizado, Spaniol prefere ter todos os processos sob sua administração – desde a produção de matéria-prima até as embalagens – para não arriscar a qualidade do que produz. Em passagem por Novo Hamburgo/RS para participar do Fórum CSCB de Sustentabilidade, em agosto passado, ele conversou com nossa equipe.
Como administrar um negócio de grandes proporções como a grife Carmen Steffens em um contexto tão complicado como é o atual momento do País? Vejo o mercado da seguinte forma: os melhores se sobrepõem aos piores. Isso já é assim há muitos anos. Com o mercado difícil como está, de dois anos para cá, obviamente muita gente sucumbe e os que estão melhor posicionados, com alguns pilares de sucesso, como estilo adequado, entendem de forma adequada seu público, sem dar “tiro para tudo que é lado”, nós temos 3 milhões de mulheres que amam nossa marca, e tem um monte que não gosta dela. Não queremos agradar a todas, mas sabemos claramente quem é o público Carmen Steffens.
E quem é essa consumidora Carmen Steffens? Não existe propriamente uma faixa etária, mas sim um lifestyle, um estado de espírito. É uma mulher exuberante, de vanguarda, uma mulher moderna. Não é uma clássica convicta. É uma marca para uma mulher que quer impressionar. Entramos em um nicho com potencial muito grande e estamos explorando ele.
A inclusão no vestuário ao mix ocorreu por uma demanda dessa consumidora? Foram quase cinco anos pensando esse projeto, não tínhamos o conhecimento necessário e não queríamos entrar de qualquer jeito. Temos um nome a zelar e uma história a preservar. Abrimos uma fábrica em Criciúma/SC, porque, assim como Franca/SP e Novo Hamburgo/RS são cidades referência em calçado, Criciúma é para o vestuário. Hoje fabricamos 4 mil peças ao dia, o que representa 27% do nosso faturamento.
A sua trajetória teve início em curtume e no fornecimento de produtos químicos. Como você chegou ao calçado? Fui para Franca como representante de uma indústria química, para prospectar curtumes de Minas Gerais e São Paulo, com o objetivo vender e dar assistência técnica para eles. Me instalei em Franca porque lá havia 13 curtumes na época e a logística era boa. Em 1983 abri a Couroquímica, o negócio cresceu um monte, porque conseguíamos entregar o couro em três, quatro dias, enquanto os demais curtumes levavam 90 dias. Ganhei muito dinheiro na época. Aí, em 1990, fui morar seis meses na Itália, pensando em abrir um centro de distribuição lá. Achava o máximo ouvir o pessoal em feiras de lá perguntar aonde ficava o curtume na Itália. Percebi que o momento não era mais de abrir o centro. Quis conhecer como funcionavam as grandes marcas, Prada, Miu Miu. Na época o Brasil tinha 6 mil fábricas e eu pensei: “Vou abrir mais uma pra quê?”. Aí, vi como eles criavam, desenvolviam, produziam, e de maneira flexível. Essa é a essência da Carmen Steffens, ela é altamente exclusiva porque não precisa fazer grandes produções.
A marca Carmen Steffens já foi assediada pelo mercado financeiro? Faz cinco anos que sou assediado. Não quero saber disso porque não quero fundos oportunistas do meu lado. Se tiver algum investidor interessado em ser meu sócio por 20 anos, eu sento na mesa para conversar. Eu não quero o dinheiro de vocês, quero saber o que farão para agregar valor ao meu negócio. Minha sucessão está planejada. Eu tenho 61 anos, terei quatro diretorias, uma industrial, outra financeira, uma de estilo e desenvolvimento e outra de marketing e varejo, todos profissionais. Tenho quatro filhos, mas três deles já não entraram no negócio. Minha filha tem 12 anos e ela vai entrar na empresa, se quiser, por mérito. Trabalho há 45 anos e não vou destruir um negócio que lutei 45 anos para construir. Perpetuar a empresa é um primeiro passo. No ano que vem, vamos doar 10% das ações para a Fundação Carmen Steffens, que vai distribuir lucro para os funcionários. Vamos pelo caminho do Bradesco, ou seja, quem vai dirigir a Carmen Steffens serão os funcionários. Há cinco anos penso nisso. Das dez empresas com as quais conversei que abriram capital, nove estão arrependidas.
Suas unidades fabris são todas no Brasil? Sim. Em Franca/SP, Criciúma/SC e Pirapora/MG. Cheguei a pensar em abrir uma fábrica no Paraguai, mas fiz uma análise e cheguei à conclusão de que não valia a pena. No nosso nível de diversificação, de faixa de produto, para os públicos A e B, eu não vejo problema no Brasil, só que tu tens de ser eficiente. Nós temos um nível de produtividade que muito poucas fábricas têm no País.
O que representam os mercados internos e externos para a marca? As exportações representam 12%. Obviamente que, daqui para a frente, o crescimento externo vai acontecer. Estamos há 16 anos no exterior. Durante seis, sete anos, buscamos aprendizado, e não é fácil falando-se de loja própria. Acreditamos que uma marca precisa vender experiência. Do Paraná para cima, qualquer cidade de 100 mil habitantes tem uma loja Carmen. Hoje eu tenho sapato, bolsa, roupa, tenho tudo, então eu não preciso mais me misturar com outras grifes, tenho meu mundo e foi isso que nos levou a forçar a barra em cima de roupa. Hoje, 95% das lojas são nossas, as demais são franqueadas.

Qual a sua estratégia de expansão? A marca participa de feiras? Não, não participamos de feira. Hoje eu tenho oito pessoas atuando na expansão da marca. Se eu quiser, por exemplo, abrir uma loja em Novo Hamburgo/RS, eu vou prospectar pessoas através de vários pontos que temos como estratégia de pesquisa, aí eu chego a três, quatro, cinco pessoas, que chamamos de multiplicadores, e aí acabamos fazendo negócio. Hoje, em 60% dos casos, nós somos procurados por interessados em abrir uma loja da Carmen.
A produção é toda feita nas unidades da empresa, sem terceirização? Acreditamos que a terceirização plena de produtos prejudica a qualidade, nunca sei o que vão me entregar. Temos apenas uma etapa terceirizada, que é a costura. Tenho 300 pessoas que só controlam a qualidade dentro da empresa, isso representa 9% do total de funcionários. Falo uma vez por mês para elas: “Só manda o produto para frente se você compraria pra ti ou para a tua mãe”. É a imagem da nossa marca que está em jogo. O controle de qualidade é feito todo por etapas, não adianta avaliar só o produto final.
O grupo tem um planejamento estratégico para os próximos anos? Conte-nos um pouco. Até 2030, pretendemos estar entre as 50 mais importantes marcas do mundo. Tem tanta marca sonolenta lá na Europa, precisando ser ‘incomodada’. Se você analisar o que está acontecendo no mundo, todas as marcas tradicionais – europeias e americanas – estão envelhecendo, mas os jovens que estão chegando questionam essas marcas. Não adianta querer conquistar aquela mulher que usa Louis Vuitton há 20 anos. Eu não tenho chance com ela, mas tenho chance com a filha dela, que não quer pagar US$ 3 mil numa bolsa, e nem quer aquele monograma para o qual já nem consegue mais olhar. Então nosso planejamento é ter uma loja nas 50 cidades mais importantes do mundo, até 2020, 2022, aí teremos a visibilidade que precisamos. Para comprar uma sandália Jimmy Choo, é preciso desembolsar US$ 700, US$ 800. Para ter um produto semelhante da Carmen Steffens, se desembolsa US$ 200. E aí dá pra comprar duas ou três. E uma mulher de 20, 30 até 35 anos na Europa e nos Estados Unidos tem um grande potencial para ser minha cliente. Ela quer comprar mais produtos, mas não quer gastar uma fortuna – muitas vezes nem tem essa fortuna. Vou vender para a classe B, que representa 45% da população desses países.
Como é administrar um negócio com essas proporções? É se cercar dos melhores. O Mário não é “o cara”. O Mário se cercou de muita gente boa, que ajuda ele a tornar esse sonho possível. E são pessoas que cresceram dentro da empresa. Dos 3,4 mil funcionários, 8% é indireto. Adotamos uma política sem níveis hierárquicos demais, as pessoas-chave sabem que podem e devem se comunicar comigo sempre que precisarem. Até 2014, nós crescemos 45% ao ano durante cinco anos. Em 2015, crescemos 24%. No primeiro semestre de 2016, crescemos 22% com expansão. O mercado encolheu 9%. Como conseguimos? Quem é bom tende a crescer nestes momentos. Tem muita loja ruim no mercado. Em nossa rede, sabemos que 20% tem uma gestão ruim. Temos um trabalho muito forte de melhoria, treinamento, treinamento e treinamento. Se tu não queres evoluir, te compro a loja e te ponho para fora. Não tem meia conversa. Esse ano vou abrir 60 lojas e já fechei 17.
Se você tivesse que escolher a menina dos olhos do Mário dentro da Carmen Steffens, qual seria? 65% da matéria-prima que a gente gasta nós mesmos produzimos, 95% do que vendemos nós mesmos fabricamos e 100% do varejo é controlado por nós. Isso não é uma opção, é uma necessidade dentro da nossa filosofia. Se eu domino a tecnologia da matéria-prima principal que eu uso, e aquela que eu não domino eu tenho parceiros fortes para me fornecer, dos quais somos os principais clientes, conseguimos tirar o melhor e interagir com ele. O resultado é mais qualidade, agilidade de desenvolvimento, pontualidade de entrega e um preço coerente. Minha fábrica custa R$ 1 milhão por dia, se ela parar, R$ 1 milhão foi para o lixo em um dia e eu começo a ter cliente insatisfeito. Se a não-qualidade é grande, eu novamente tenho cliente insatisfeito. Então, pontualidade, agilidade de desenvolvimento e qualidade são os três pilares fundamentais. Preço, a gente acerta. Tem gente que vende sapato, eu vende desejo. Essa é a diferença. Por que muita gente se dá mal? Porque quer vender sapato. Tem que vender a loucura delas, e não o sapato. O sucesso está em todos os dias melhorar um detalhe e perseverar. E não é fácil. Então, não tem menina dos olhos, o conjunto é a ópera.
O e-commerce é um meio importante de vendas para a Carmen Steffens? Vem crescendo e estamos nos estruturando para crescer muito. Temos uma estrutura muito mais voltada para atender a uma demanda que a cliente não acha em loja. Hoje deve representar 2,5% do faturamento. A mulher gosta da experiência da loja, mas ao mesmo tempo, temos um bom desempenho nas vendas online nos grandes centros.

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