Não chores por mim, calçado brasileiro

25.08.2016 - Michel Pozzebon / Jornal Exclusivo
Foto: Fotolia.com Com a retirada de barreiras comerciais, como as DJAIs, Brasil vem retomando as exportações para a Argentina
Com a retirada de barreiras comerciais, como as DJAIs, Brasil vem retomando as exportações para a Argentina
Brasil e Argentina estão quase de volta aos bons tempos. Com a retirada das Declarações Juramentadas Antecipadas das Importações (DJAIs) – que chegavam a atrasar a liberação dos calçados em mais de 200 dias, inviabilizando negociações importantes – no dia 31 de dezembro de 2015, a partir de uma resolução da Organização Mundial do Comércio (OMC), os fabricantes daqui vêm comemorando a retomada das exportações para aquele país. A Argentina já assumiu o posto de segundo principal destino do calçado Made in Brazil no primeiro semestre de 2016, com 3,32 milhões de pares comprados por US$ 41,43 milhões, 85,3% mais em volume e 56,8% superior em valor no comparativo com igual período do ano passado. “Em 2016, gradativamente, estamos recuperando aquele mercado, mas a balança comercial extremamente positiva para o Brasil já tem provocado reações dos setores industriais na Argentina, que tem forte influência junto ao governo. Estamos monitorando a possibilidade de novos entraves”, analisa o presidente-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein.
Adeus, Cristina!
Antes da criação de barreiras comerciais por parte dos hermanos, especialmente a DJAI, estimativa da Abicalçados apontava que desde o início da exigência do documento, em 2012, época do governo de Cristina Kirchner, o Brasil havia perdido mais de US$ 260 milhões em negócios com o país vizinho. As ações protecionistas buscavam barrar os produtos Made in Brazil como forma de equilibrar a balança comercial. “Não foi um movimento natural, de mercado. Após mais de três anos com essa política, perdemos muito espaço, especialmente para os produtos asiáticos. Para se ter uma ideia da perda de campo, em meados de 2010 respondíamos por quase 70% dos produtos importados por eles e os asiáticos 30%. A equação foi invertida em 2015, quando passamos a representar menos de 30% do total importado e os asiáticos 70%. Infelizmente, as práticas protecionistas eram aplicadas com maior ênfase aos produtos brasileiros, o que é incompreensível no âmbito do Mercosul”, analisa o executivo da Abicalçados.
Licenças não-automáticas atrapalham negociações
Apesar da mudança de cenário, Heitor Klein ainda é cauteloso a respeito das relações com o país vizinho. “Existe um movimento identificado desde o começo do mês de junho e que estamos monitorando junto às empresas associadas. Trata-se da liberação não-automática das importações, o que tem atrasado, em alguns casos pontuais, a liberação dos calçados brasileiros. Evidentemente que não é algo grave como a política protecionista, e considerada ilegal no âmbito da OMC, da exigência das DJAIs. Estamos monitorando as movimentações”, frisa o dirigente. Por conta disso, têm sido registrados atrasos de mais do que os 60 dias previstos pela OMC.
Foto: Divulgação Alberto Alzueta
Alberto Alzueta
Crise destruiu poder de compra dos argentinos

A retomada dos negócios entre os países vizinhos tem relação direta com a mudança de governo. O atual presidente argentino, Mauricio Macri, vem propondo uma relação mais dinâmica com o Brasil e isso tem impactado diretamente na performance das exportações verde-amarelas para lá. “Sentimos que, efetivamente, está começando um fortalecimento da relação bilateral. O Macri não só deu sinais, mas também passos à frente para incentivar a relação. Foram suspensas as DJAIs e o câmbio foi liberado, permitindo que os pagamentos de importações possam ser efetivados, problema de extrema gravidade para o comércio”, sustenta o presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira de São Paulo (Camarbra), Alberto Alzueta. Contudo, o dirigente enfatiza que os consumidores argentinos ainda não recuperaram o poder de compra. “Semelhante ao que aconteceu no Brasil, a crise destruiu o poder de compra do argentino, limitando o consumo aos produtos estritamente essenciais”, aponta Alzueta.
O dirigente explica que um dos fatores que contribuíram para a diminuição do poder de compra do consumidor foram os ajustes feitos por Macri logo que ele assumiu a presidência. “Como o país estava num nível de inflação bastante alto, mas reprimido e escondido, o governo Macri foi obrigado a realizar uma correção, principalmente das tarifas de serviços públicos (como água, luz, gás, etc), que resultou num enorme choque para as classes baixas, limitando mais ainda o poder de compra. Isso era necessário, não era possível varrer para baixo do tapete a normalização dos preços”, sustenta Alzueta, acrescentando que as medidas provocaram diferentes impactos, alguns mais impopulares que outros, mas necessárias para corrigir as distorções.
Piccadilly amplia negócios em 30%
Os negócios da Piccadilly Company (Igrejinha/RS) com a Argentina no primeiro semestre de 2016 cresceram 30% em volume e em faturamento. “É um mercado que já trabalhamos há mais de 20 anos e que tem muita demanda pelo nosso produto. Mesmo com as DJAIs, não os deixamos de lado”, diz o gerente de Exportação da companhia, Jef-ferson Berz. Atualmente, a fabricante de calçados femininos exporta para mais de 90 países, sendo a nação vizinha o seu principal mercado. “Fora do Brasil, a Argentina é a nossa segunda casa de negócios. Lá conseguimos estabelecer bons parceiros, nossos produtos têm demanda e uma boa visibilidade, o consumidor local conhece a nossa marca e a facilidade logística contribui para uma reposição rápida”, detalha Berz. A Argentina responde por 20% dos negócios internacionais da companhia.
No período das DJAIs, produtos da empresa chegaram a ficar estocados por mais de dez meses, causando prejuízos tanto para a calçadista brasileira, quanto para seus parceiros internacionais. “Em qualquer mercado internacional que atuamos, buscamos estabelecer parcerias de longa data e uma das nossas premissas é a de não abandonar estes mercados, seja qual for a situação”, pondera Berz, para quem o governo brasileiro deveria demonstrar maior interesse no restabelecimento das relações bilaterais com o país vizinho. “É um mercado importantíssimo para a indústria calçadista brasileira e que contribui para a geração de divisas e manutenção de empregos”, defende.

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